sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Portugal, Indonésia e Timor-Leste

       Com a vitória da Revolução dos Cravos e do MFA (Movimento das Forças Armadas) em Portugal, em abril de 1974 foi nomeado um novo governador para o Timor-Leste, o coronel Mário Lemos Pires, incumbido de estabelecer as negociações sobre o futuro político do território. As negociações foram orientadas para a formação de um conselho que preparasse a transição para a independência; o novo governo português havia abandonado a pretensão de manter Portugal à frente de um grande império. O exemplo foi o esforço do governo anterior para conter a guerrilha africana: além da sangria em recursos humanos, destinava 42% dos recursos do país para gastos militares em 1974, uma porcentagem excessiva para um país considerado o mais atrasado da Europa Ocidental. 
       Na medida em que a manutenção da submissão das colônias foi o pivô da Revolução dos Cravos e que as mudanças em Portugal envolviam a resolução imediata do problema da rebeldia das populações colonizadas, a liquidação do  império colonial estava na ordem do dia. Por isso, contatos com os representantes dos movimentos de libertação para negociar suas autonomias, foram imediatamente iniciados. No entanto, a independência do Timor-Leste não só não ocorreu, como foi ocupado pela Indonésia. Ao contrário da Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe, colônias portuguesas na África, o Timor constituiu a única ex-possessão portuguesa que não alcançou a independência sem passar por uma guerra intensa. Esse trágico desfecho é o resultado de alguns fatores, que desde o início colaboraram contra a independência. Dentre eles:
        a) os conflitos ocorreram em plena Guerra Fria; o ano de 1975 foi marcante no confronto entre o EUA e a ex-URSS: além da derrota dos EUA no Vietnã e do desmantelamento do império colonial português, as tentativas de desestabilização dos recém independentes governos de Angola e Moçambique pela África do Sul motivaram o envio de soldados e assessores militares cubanos e soviéticos para o continente africano. Independente  dos projetos em disputa no Timor-Leste ou das aspirações dos países envolvidos com a questão (Portugal, Indonésia e Austrália), a política externa dos EUA apontava claramente contra o surgimento de um novo foco de tensões na região. Um regime não diretamente alinhado com o Ocidente não poderia contar com qualquer ajuda de Washington. A indústria petrolífera alarmada com as iniciativas anteriores de Sukarno (governou a Indonésia de 1945 a 1967; seu governo ambíguo se caraterizou pelo regime da Democracia Guiada, no qual não havia alternância de poder. Seus ideais políticos misturavam islamismo, nacionalismo e marxismo; buscou fortalecer o Movimento Não-Alinhado ao mesmo tempo que recebia ajuda financeira dos EUA e da ex-URSS; sua política externa foi conduzida com uma aproximação à China; em 1956 promoveu a extinção de todos os partidos políticos, criando somente 3 anos depois, a chamada Democracia Dirigida; enfrentou seguidas rebeliões separatistas e anti-comunistas no país - uma delas, em 1958, financiada pela CIA; seu governo adotou medidas discriminatórias contra grupos étnicos de origem chinesa; exilou opositores e, em 1960, dissolveu o Congresso instituindo um novo Parlamento com membros nomeados pelo governo, no mesmo ano recebeu o Prêmio Lenin da Paz e em 1963 foi nomeado presidente vitalício), também não desejava nenhuma outra aventura nacionalista no Sudeste Asiático. A intervenção do governo indonésio não pode ser compreendida dissociada de um "sinal verde" emitido pela Casa Branca. Coerentemente, o Timor-Leste foi invadido poucas horas após a visita do presidente norte-americano Gerald Ford à Jacarta na qual seguramente aprovou os planos de invasão previamente apresentados por Suharto (o general Hadji Mohamed Suharto  foi presidente da Indonésia entre 1967 e 1998 - veja a retrospectiva do governo de Suharto disponível em http://www.dailymotion.com/video/xargw1_suharto-soeharto-of-indonesia-retro_news ).
Assista ao vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=2y7eESSM3Qg e observe a influência e desenvoltura de Sukarno no meio político internacional.
       b) devido ao intenso desejo de anexar o Timor-Leste, Jacarta desestabilizou sistematicamente o processo de descolonização. Devido às atitudes do governo indonésio, os dilemas internos do Timor  se aprofundaram, obedecendo a um jogo calculado por Jacarta para tornar irreversível a anexação do país. Em dezembro de 1974, Adam Malik, chanceler da Indonésia, alertava que havia somente duas soluções possíveis para a "questão do Timor": a união com a Indonésia ou a continuidade da administração portuguesa. Uma terceira possibilidade, a independência, estava descartada e vista como irreal.
       Ao longo dos anos 1974-75, o governo indonésio adotou uma estratégia que combinava pressões e ameaças, pretendendo enfraquecer a resistência timorense e provocar o recuo do governo português. Manipulando a situação, a Indonésia passou a defender a incorporação de Timor a pretexto da luta antimperialista. Ao mesmo tempo, desencadeou uma ofensiva nos meios de comunicação alertando para perseguições e ameaças contrárias ao timorenses favoráveis à integração. Enfatizava a presença de grupos esquerdistas em Timor, que dirigidos pela FRETILIN, estariam prestes a tomar o poder. A guerra de nervos estava instaurada e se caracterizava por atitudes hostis e agressivas. No fim de março de 1975, as forças de segurança da Indonésia anunciavam que o Timor Ocidental - o lado indonésio da ilha - estava interditado aos jornalistas do país ou do exterior. 
       c) frente às sucessivas provocações da Indonésia, Portugal reagiu timidamente, arriscando a integridade territorial do Timor-Leste. O  governo português também falhou na condução das negociações em Dili, inviabilizando a formação de um conselho proposto pelo coronel Mário Lemos Pires, onde os três partidos políticos existentes no Timor negociariam uma solução pacífica.
       d) entre os timorenses, além do antagonismo entre APODETI, FRETILIN e de grupos sociais representados na UDT viam esta última  como uma ameaça aos seus interesses . Embora a FRETILIN, como já foi assinalado, tivesse uma plataforma mais reformista que revolucionária, a organização foi conduzida gradativamente para posições cada vez mais esquerdistas. Não podemos esquecer o clima gerado pela Guerra Fria nos anos 1970 que contribuía muitas vezes,  para uma polarização ideológica que dependia, na maioria da vezes, da moderação das forças políticas em disputa. Naquela região o confronto Leste-Oeste materializou-se na Guerra do Vietnã e mobilizou amplas parcelas da opinião pública internacional no posicionamento frente às forças em luta. Esta guerra contribuiu para a cristalização da "política do dominó": a perda de um país para as mãos dos comunistas levaria à "comunização" dos vizinhos. Em 1975 a perda do Vietnã, Laos e Camboja causou grande aflição ao Ocidente.
       e) neste contexto, a aliança necessária e fundamental entre os nacionalistas e a FRETILIN não conseguiu se firmar. Uma coalização estabelecida entre dois partidos (20/01/1975) desagregou-se. O abandono da aliança pela UDT (27/05/1975) ocorreu no momento em que a Indonésia já marcara qualquer posição contrária a todo e qualquer entendimento envolvendo a FRETILIN, convencendo vários setores da UDT a perceberem na Indonésia a única alternativa segura para governar o Timor e a acusar as autoridades portuguesas de favorecerem a FRETILIN. A realização da Conferência de Macau (julho de 1975), promovida por Portugal para novamente reatar as negociações pela independência, acentuou essa cisão. Boicotada pela FRETILIN devido à presença da APODETI, a conferência resultou na proposta de manter a soberania portuguesa até outubro de 1978, deixando aberta a questão da independência. Esta proposta somada às provocações incessantes da Indonésia e rumores que a UDT já contava com apoio de Jacarta, levaram a FRETILIN a insistir na tese da independência imediata e total para o Timor-Leste, negando-se a aceitar qualquer prorrogação no mandato colonial de Portugal.

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